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Sisma participa de audiência sobre Saúde Mental de Direitos Humanos


27-09-2013 19:32 - Ascom Sisma - Luana Soutos

Ser cidadão. Isto é, ter garantidos os direitos estabelecidos na Constituição Brasileira de 1988, conhecida como “Cidadã”. Parece algo simples e certo, mas na prática ainda estamos muito longe de garantir aos brasileiros os preceitos básicos da nossa Carta Magna. A situação é ainda mais grave para aqueles que têm penas criminais associadas à transtornos psiquiátricos.

Essa foi a abordagem da Audiência Pública sobre Saúde Mental e Direitos Humanos realizada na Assembleia Legislativa de Mato Grosso nesta quinta-feira, 26 de setembro, onde servidores da Saúde Pública, estudantes e representantes dos poderes Legislativo e Judiciário discutiram, notadamente, a situação dos internos do CIAPS Adauto Botelho Unidade II, que fica dentro da Penitenciária Central do Estado .

Cerca de 32 homens e 10 mulheres vivem, hoje, neste local que, segundo o coordenador do Núcleo Estadual de Execução Penal da Defensoria Pública, Marcos Rondon Silva, foi tido como inadequado pela última inspeção realizada por peritos oficiais em julho deste ano. Em sua exposição, que abriu o evento, Silva apresentou leu trechos do laudo pericial que aponta: superlotação – e mais 29 pessoas aguardando vaga para entrar; falta de local para banho de sol; celas e grades – o que não deveria existir em local de tratamento psiquiátrico; reforma há mais de cinco anos; ausência de psiquiatras, apenas um clínico geral atende os pacientes uma vez por semana; ausência de insumos para o trabalho de arte-terapia – pois a unidade dispõe de um profissional que fica impossibilitado de trabalhar sem matérias; falta de medicamentos (inclusive de alto custo) há mais de um ano; dificuldade de movimentação dos pacientes; necessidade de treinamento dos servidores e supervisão clínica.

Por fim, os peritos concluem, no documento, que a Unidade II é um local improvisado, pequeno e sem estrutura, construído sem considerar os critérios da ANVISA, com pacientes dormindo no chão. Além disso, afirmam que o local não oferece nenhuma condição de melhoria ao interno, porque as condições não favorecem, de jeito algum, qualquer procedimento psiquiátrico.

O defensor demonstrou ainda que, segundo a Lei Federal 9455/97, a situação dos internos na Unidade II pode ser enquadrada como crime de tortura, de acordo com o parágrafo 1º da referida Lei.

O cenário é péssimo, mas não foge à regra do que se tem visto na Saúde Pública de Mato Grosso. Por isso, o Sindicato dos Servidores Públicos da Saúde e do Meio Ambiente (Sisma/MT), por meio da presidente Alzita Ormond, ocupou a tribuna do evento para questionar a atenção dos legisladores ao orçamento destinado à Saúde Pública. “A gente tem soluções para a melhoria dos serviços. O trabalho em rede e a união dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são ótimas alternativas, mas e o orçamento? Quando a gente analisa o orçamento que será adotado em 2014, quando a gente vê a falta de insumos, de materiais, de água nas unidades... quando a gente vê o CIAPS fechar o Pronto Atendimento... e o direito dessas pessoas de serem atendidas? A Dermatologia fechando por falta de medicamentos... Enquanto isso, milhões são investidos nas Organizações Sociais e ainda há solicitação do nova dotação orçamentária de 93 milhões!”, disse a presidente, aplaudida com entusiasmo pelos presentes.

Segundo a presidente, o Orçamento para 2014, previsto por meio da fonte 134, apresenta um déficit de R$ 315.960.582,85 (trezentos e quinze milhões, novecentos e sessenta mil, quinhentos e oitenta e dois reais e oitenta e cinco centavos) para cobrir as necessidades das Unidades de Saúde. Apesar disso, o valor deve incluir R$ 93.262.632,92 (noventa e três milhões, duzentos e sessenta e dois mil, seiscentos e trinta e dois reais e noventa e dois centavos) destinados às Organizações Sociais, disposto no Programa 327, Ação (projeto/atividade) 4309, além dos R$ 76.737.367,08 (setenta e seis milhões, setecentos e trinta e sete mil, trezentos e sessenta e sete reais e oito centavos) já previstos. Ou seja, o total destinado às OSS’s será de R$ 170 milhões.

Para o Adauto Botelho, que é um complexo com várias unidades, estão previstos recursos da fonte 134 - R$ 2.287.752,67 (dois milhões, duzentos e oitenta e sete mil, setecentos e cinquenta e dois reais e sessenta e sete centavos), e da fonte 112 - R$ 4.044.398,82 (quatro milhões, quarenta e quatro mil, trezentos e noventa e oito e oitenta e dois centavos, totalizando R$ 6.332.151,49 (seis milhões, trezentos e trinta e dois mil, cento e quinze reais e quarenta e nove centavos). 

A diretora técnica do CIAPS Adauto Botelho, Luciana Gomes, fez um apelo aos presentes, em especial o autor da solicitação e presidente da audiência, deputado Emanuel Pinheiro (PR). Segundo ela, a própria legislação dificulta o trabalho de atendimento na Unidade II. “A gente tem vivido situações em que, nós técnicos, tentamos resguardar o direito do usuário e recebemos mandados assim: determino internação compulsória. Não existe isso! A melhor terapia é a convivência social e quem vai me dizer como vai ser o tratamento é o próprio paciente. É ele que sabe dele mesmo. Eu preciso de rede e não só de leitos.”

Seguiu na mesma linha a exposição do psicólogo e servidor do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Fabrício Rocha, afirmando que o tratamento adequado para os cidadãos que encontraram no crime um modo de aliviar seu sofrimento é, simplesmente, ser cidadão. Com uma vasta produção acadêmica na área e atuação em movimentos sociais, Rocha trouxe um pouco da história sobre a separação legal entre “criminosos” e “loucos”, que ocorreu no século XVIII e destacou a necessidade de investimentos em residências terapêuticas e atenção ao orçamento destinado à Saúde Mental de presidiários.

O presidente da Associação de Familiares de Vítimas da Violência, Heitor Reyes também chamou a atenção do desmonte realizado no setor público pelos governos atuais. “O Adauto Botelho é referência de tratamento, mas as pessoas que lá trabalham estão assistindo o sucateamento do Hospital, para que mais tarde haja uma terceirização ou quarteirização. [...] Nós estamos tratando aqui da dignidade humana, isso é coisa séria! Tem que ter responsabilidade!”

O defensor e representante do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto Tadeu Vaz Curvo disse que o país está farto de Leis. “Sessenta e cinco anos depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos estamos discutindo uma situação vexatória como esta, em que pessoas sacrificam outras pessoas dentro de penitenciárias”, comentou. Ele lembrou que o Brasil já foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos pela morte de paciente em situação como esta. Para ele, a sociedade ainda tem que romper com paradigmas e pré-conceitos para que haja avanços.

Também contribuíram para o debate participantes da platéia e os componentes da mesa de honra, o juiz da Vara de Execuções Penais de Cuiabá, Geraldo Fidelis, o juiz auxiliar da Corregedoria Geral do Estado, Jorge Luis Tadeu, o promotor de justiça Joelson de Campos Maciel, a presidente do Conselho Regional de Psicologia, Maria Aparecida de Amorim (que junto ao defensor Marcos Rondon da Silva articularam a viabilização da audiência) e o conselheiro da OAB/MT Fábio Capilé que, emocionado, recitou um poema de sua autoria. Também fizeram parte da mesa e a presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Junia de Souza e o diretor do Adauto Botelho, Elton Barbosa.


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