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Em um mês, 34 são internados; só 3 continuam tratamento


28-01-2013 13:12 - Mídia News

As internações compulsórias de dependentes químicos dividem opiniões acerca dos tratamentos oferecidos para a recuperação de homens, mulheres e crianças, que passaram a viver em função do vício em entorpecentes.

Dados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ/MT), parceiro na “Operação Ágape”, que recolheu usuários de drogas e álcool nas “cracolândias” de Cuiabá, em dezembro de 2012, mostram que apenas três, dos 34 internados de forma compulsória, continuam no Centro de Atenção Psicossocial (Ciaps) Adauto Botelho.

Destes, 29 fugiram; uma mulher foi resgatada pela família; um homem foi encaminhado para a Paraíba, seu estado de origem; e três permanecem no Ciaps.

Os dados revelam uma evasão de 88% dos internos, que já retornaram para as cracolândias e continuam com o uso excessivo de drogas e álcool.

Durante a Operação Ágape, as pessoas recolhidas foram encaminhadas ao Centro de Triagem Municipal Abordagem Solidária, onde receberam os primeiros atendimentos. Após os procedimentos burocráticos, os usuários foram levados para o Ciaps.

A proposta era encaminhá-los para centros de reabilitação, mas, até o momento, os que continuam a internação não saíram do hospital psiquiátrico.

Outra operação

No dia 30 de junho de 2011, a Polícia Civil deflagrou a operação “Rosas dos Ventos”, na região do bairro Alvorada, próximo à Rodoviária, um dos pontos mais críticos de venda e uso de drogas na Capital.

Na época, 14 hotéis das imediações foram vistoriados e quatro interditados.

Os agentes recolheram 23 dependentes químicos, que foram encaminhados para tratamento em clínicas de reabilitação de Cuiabá e Várzea Grande.

Um mês após a operação, o MidiaNews procurou as comunidades terapêuticas Valor da Vida e Limar, que receberam os usuários. Foi verificado que apenas cinco, dos 23 internos, continuavam o tratamento.

O valor pago por cada interno era de R$ 750 mensais. O período de cada internação deveria durar, pelo menos, quatro meses.

Justificativas

O secretário-adjunto de Justiça e Direitos Humanos, Genilto Nogueira, responsável pela política antidrogas no Estado, em entrevista ao site, argumentou os motivos que levam à internação compulsória.

O Estado opta pela compulsória no caso de os usuários não aceitarem por uma internação voluntária.

“Ela se faz necessária porque alguns dependentes estão tão debilitados e não são capazes de perceber o quanto precisam de ajuda e assim colocam em risco a sua própria vida e também a vida de outras pessoas. Temos promovido a internação pelo período de 30 dias; depois deste prazo, não podemos mantê-los internados. Somente com a decisão da Justiça”, informou.

Em 2012, Sejudh pagou 19 mil diárias em unidades terapêuticas para o tratamento de dependentes e irá contratar outras 38 mil.

Opinião de especialista

A Coordenadora do Centro Regional de Referência em Capacitação Permanente de Profissionais (CRR’s) - que atuam com usuários de crack, outras drogas e seus familiares, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a professora-doutora Delma Perpetua Oliveira de Souza, é contra a internação compulsória como solução para o problema das drogas.

“A internação compulsória deve ser usada somente quando o usuário oferece risco para si mesmo ou para a sociedade. Por incrível que pareça, essas pessoas são muito frágeis e têm na rua a única segurança. A rua e a droga os acolheram dos problemas que já existiam em suas vidas”, informou.

A doutora defende que a internação compulsória pode gerar mais trauma e não vai resolver o problema do vício.

“O primeiro passo a ser tomado é qualificar a pessoa que vai trabalhar com esse doente. Porque o vício em drogas é um doença crônica, como diabetes, pressão alta e tantas outras. O tratamento tem que ser para o resto da vida. Não existe como recuperar um usuário fazendo uma internação forçada em um hospital psiquiátrico. Essa pessoa têm que ser reinserida de forma gradativa na sociedade. Ela também terá que resolver os conflitos internos que a fizeram buscar a droga como uma saída, uma fuga”, disse.

Pesquisa de campo

A estudante de Direito da Universidade de Cuiabá (Unic), Ana Angélica Costa, defendeu a monografia "Dependência Química e a Dignidade da Pessoa Humana Frente ao Ordenamento Penal".

Em pesquisa de campo, nas principais áreas de consumo de drogas e álcool em Cuiabá, ela descreveu as condições das cracolândias: “São impróprias para o convívio humano, apresentam todo tipo de desconforto, ali seus habitantes se drogam, dormem, defecam, urinam, brigam e se espancam uns aos outros, fazem sexo às vistas dos transeuntes, efetuam pequenos furtos, agem e se comportam como se já não fossem seres humanos civilizados”.

A estudante entrevistou moradores da área do Porto, em Cuiabá, e os depoimentos são chocantes: “Tenho 30 de anos, comecei com maconha e agora já aceito usar qualquer droga, me sinto abandonada pela família. Perdi os dentes por conta da droga, agora não tem mais como recuperar. Sou consciente de que estou no fundo do poço”, disse uma usuária.

Um homem, que aparenta ter 40 anos, não esconde que usa todo tipo de droga e também álcool. “Usamos todo tipo de drogas, mas, quando não tem dinheiro, a gente bebe pinga, que é mais barata. Um ‘corotinho’ [pequena garrafa] dá para todos nós, mas a gente toma uns cinco por dia. Hoje tá frio, vamos beber mais para esquentar”, relatou um usuário.

Legislação

A internação compulsória está amparada na lei 10.216, sancionada em abril de 2001, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

Segundo a lei, "a internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos". A medida é para evitar que os dependentes sejam recolhidos com a finalidade de ‘higienizar’ o meio urbano.

O parágrafo único do artigo 6º da Lei em questão diferencia e esclarece os diferentes tipos de internação psiquiátrica. Além da internação compulsória, que é a determinada pela Justiça, são consideradas a voluntária, "aquela que se dá com o consentimento do usuário"; e a involuntária, "que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiros".

Plano de enfrentamento

Mato Grosso possui um Plano Estadual de Enfrentamento às Drogas, lançado em novembro de 2011.

O plano possui a 44 ações relacionadas à questão das drogas, distribuídas em quatro eixos: prevenção e educação; atenção ao usuário e dependente; repressão ao tráfico; e financiamento das ações.

Participam do Plano e integram o Comitê Gestor as Secretarias estaduais de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), Segurança Pública (SESP), Educação (Seduc), Saúde (SES), Trabalho e Assistência Social (Setas) e de Comunicação Social (Secom). Estas Secretarias deverão destinar 1% do montante total dos recursos para a elaboração, implementação e execução das ações do plano.

O Estado ainda não aderiu ao programa “Crack, é possível vencer”, lançado em dezembro de 2011 pelo Governo Federal, que prevê gastos de R$ 4 bilhões até 2014. O programa segue três eixos: prevenção, cuidado (tratamento) e autoridade (enfrentamento ao tráfico de drogas).


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