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Meu caro amigo Zani


04-03-2021 12:40 -

Artigo de Opinião - Julio S. Müller Neto

Meu caro amigo, me perdoe, por favor, se eu não lhe fiz uma visita, diria Chico Buarque, quem fala ao nosso coração! Nos últimos dias de janeiro pensei em diversas ocasiões no meu amigo Zanizor, o querido Zani ou Zaninho. Tinha a intenção de levar-lhe um livro que havia acabado de ler, de José Eduardo Agualusa, “Os Vivos e os Outros”, novela e personagens fantásticos, cujo cenário é a maravilhosa ilha de Moçambique. A leitura lembrou-me Zaninho contando-nos suas aventuras em Moçambique para onde havia ido trabalhar recém-saído da residência em Psiquiatria, contratado pela Organização Mundial da Saúde para apoiar solidariamente o trabalho em saúde no país. Moçambique havia conquistado sua independência de Portugal após longa e sangrenta luta anticolonialista e vivia período de escassez e penúria extremas. As histórias do Zani caberiam na trama de Agualusa, tamanha riqueza e diversidade cultural com que teve de lidar, a começar pela língua, ou melhor, línguas, pois o português, língua oficial, era falado por menos de dez por cento da população. Creio que esta experiência foi determinante para sua trajetória pessoal e profissional, reafirmando sua vocação humanitária e solidária, sempre respeitoso da diversidade, da autonomia e dos valores do Outro. As limitações do distanciamento social imposto pela pandemia e o destino impediram-me de encontrá-lo, mas conservarei este livro como lembrança sempre presente do amigo querido.

Conheci Zanizor no antigo Hospital Adauto Botelho, hoje Centro Integrado de Assistência Psicossocial (CIAPS/Adauto Botelho), em 1981, quando foi contratado pela antiga FUSMAT (Fundação de Saúde de Mato Grosso). Logo fez-se amigo e querido por todos os profissionais e trabalhadores da saúde mental. Sempre ao lado dos pacientes, cuidando-os com empatia e respeito a sua autonomia, marca que distinguiu toda sua trajetória como médico, seja no hospital, seja em seu consultório. Como bem nos recorda Neuza, servidora concursada do CIAPS/AB e companheira de trabalho, em áudio enviado: “Sorriso sincero que deixa você à vontade; que te dá toda a liberdade, mas te cobra responsabilidade, sem perturbação, sem pressão, sem incomodação!”

Contratado também pela Universidade Federal de Mato Grosso na mesma época, lecionou primeiramente no Curso de Enfermagem e, posteriormente, em 1984, creio, veio juntar-se a mim e a José Eduardo Vaz Curvo nas disciplinas de Psicologia Médica e Psiquiatria, do Curso de Medicina. Lecionou durante 35 anos, no ambulatório do Hospital Universitário Julio Müller, no Adauto Botelho, em Centros de Saúde da periferia, e contribuiu sobremaneira para a formação da nova geração de profissionais médicos, como também dos futuros especialistas em psiquiatria. Trabalhou durante toda sua vida profissional na área pública e aposentou-se recentemente nessas duas instituições.

Nesses 40 anos de convivência compartilhamos inúmeras reuniões, aulas, congressos e seminários, oficinas de trabalho, bate papos e confraternizações, comungando muitos sonhos e lutas.

Foi diretor do CIAPS/AB no período 1995-2002, durante o governo Dante de Oliveira. Liderou as mudanças exigidas nos anos 1990 no sentido de transformar o caráter da instituição e atender às exigências decorrentes das novas orientações da política, da legislação e das práticas em saúde mental. Tarefa árdua, pois não se tratava apenas de mudança de nome da instituição, mas, sobretudo, de resgate da dignidade, liberdade e autonomia dos pacientes. Contribuiu decisivamente para a implantação, em 1998, do primeiro Centro de Assistência Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPS/AD) em Mato Grosso, dentro da área do CIAPS/AB.

Foram muitas as iniciativas terapêuticas durante sua gestão como diretor do CIAPS/AB. Lembro-me ainda hoje de uma delas, quando contratou Domingas, da comunidade vizinha de São Gonçalo BeiraRio, como auxiliar de terapia ocupacional. Domingas desenvolveu um maravilhoso trabalho junto aos pacientes, valendo-se de suas habilidades na lida da argila e da cerâmica, da música e da dança. Consolidava-se ali o que viria a ser o grupo “Flor Ribeirinha”, de música e dança típica regional. Zaninho transformou uma das enfermarias em sala de espetáculo, onde assistíamos apresentações maravilhosas em datas comemorativas com participação de pacientes, familiares, servidores, técnicos e, eventualmente, convidados externos. Também promoveu reuniões de confraternização e festas em datas especiais como São João, Natal e outras. Uma outra inciativa foi o incentivo às práticas esportivas, orientadas pelos professores de educação física, e para isso construiu um campo de futebol soçaite ao lado do hospital. Era (ou é?), o palco dos “rachões” que mobilizavam funcionários, pacientes, familiares e comunidades vizinhas. Costumava ir todo sábado jogar futebol no campinho ou no campo do SISMA, em frente ao Parque da Saúde. Em certa ocasião disse-lhe que era um jogador esforçado, mas que se dava bem porque os adversários pegavam leve, afinal ele era o diretor. Não concordou, achava-se um craque de bola!

Zani foi um grande incentivador da construção do Parque da Saúde “Zé Bolo Flô”, na área que circunda o CIAPS/AB, e foi quem sugeriu o nome do parque, uma justa homenagem ao músico, poeta, compositor e hóspede eventual do antigo hospital. Em sua visão, o parque era um grande espaço terapêutico, a favorecer a integração entre pacientes, servidores e a comunidade.

Grande Zaninho!! Saudade dos nossos bate papos em casa dos amigos e no Restaurante Natural, quando nos encontrávamos de vez em quando. Por onde passava, encantava! E agora que se foi, permanece encantando nossas memórias!

Cuiabá, 02 de março de 2021.

   


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