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Distinção entre usuário de serviço público e consumidor


09-01-2013 13:13 - Hiper Notícia

A reflexão mais profunda sobre o tema “Diferença entre Usuário de Serviço Público e Consumidor” ou a distinção entre a relação de consumo e a de serviço público é interessante, uma vez que, a postagem publicada em 20/02/2008 com o título “Ouvidoria como mediadora de conflitos – usuários e concessionárias” está na lista de postagens populares do site jusnavigandi, portal ipea, portal mdic, conteúdojurídico, entre outros, tendo recebido inúmeros comentários e visitações.

Realmente a abordagem sobre a diferença entre usuário de serviço público e consumidor é importante por ser questão que traz muita dúvida para o contexto geral de direitos e deveres no dia-a-dia de pessoas que se depreendem, ora com relação jurídica de serviço público, ora com a relação de consumo.

Na ótica jurídica, parece-me que incorrem em constante equívoco alguns desavisados gestores públicos quando afirmam que o usuário de serviço público é um consumidor. A relação jurídica entre concessionária e usuário não pode ser equiparada a existente entre duas pessoas privadas, que atuam na defesa de seus interesses específicos.

Com efeito, da análise das regras ditadas pelo nosso ordenamento jurídico é extraída a diferença entre ambos. O tratamento dado ao usuário de serviço público pela Constituição e pela lei é diverso do dispensado ao consumidor. A Constituição trata dos dois assuntos em dispositivos diferentes, a concessão, basicamente no artigo 175 e a proteção ao consumidor, nos artigos 5º, XXXII, e 170, V. Neste contexto é importante destacar que o serviço público, cujo o exercício é atribuído à concessionária, continua na titularidade e sob a responsabilidade do poder concedente. Perante a relação de consumo, diversamente, o Poder Público atua como protetor da parte considerada hipossuficiente, que, em regra, é o consumidor.

A concessionária é obrigado a prestar o serviço ao usuário, cujo exercício lhe foi atribuído, mas o poder concedente continua com o dever constitucional de prestá-lo, embora escolha a opção de fazê-lo indiretamente sob o regime de concessão ou permissão, como lhe é autorizado pelo artigo 175 da Constituição Federal. A relação contratual entre concessionária e usuário, mediante a qual uma parte se obriga a prestar um serviço, recebendo em pagamento um preço público (tarifa), tem como pressuposto uma outra, entre a concessionária e o poder concedente, presente a relação de acessoriedade quando um contrato depende juridicamente de um outro, diz que o contrato acessório segue o principal.

Por força do contrato principal – o de concessão – a concessionária obriga-se a prestar, ao usuário, serviço adequado, definido pelo artigo 6º da Lei 8.987/95 (lei das concessões), satisfazendo as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. Na hipótese de descumprimento do contrato de concessão, a concessionária está sujeita, conforme o caso as penalidades regulamentares e contratuais, inclusive multas, a intervenção na prestação dos serviços e a extinção de concessão. Neste mesmo contexto é importante destacar que o inadimplemento pela concessionária gera sua responsabilidade perante o usuário, mas também responsável é, solidariamente, o poder concedente, na medida em que mantém a titularidade do serviço concedido.

Diversamente da situação do usuário, na relação de consumo o fornecedor é obrigado a prestar o serviço ao consumidor. O Poder Público tem o dever de regular a relação contratual entre eles, protegendo a parte considerada mais fraca. O inadimplemento pelo fornecedor gera sua responsabilidade perante o consumidor e o Poder Público não é responsável pelo cumprimento das obrigações pelo fornecedor.

Para o Poder Público, a defesa do usuário de serviço público é ainda mais relevante do que a defesa do consumidor. O pressuposto básico do instituto da concessão de serviço público no Direito brasileiro é a prestação de serviço adequado. O Princípio da Supremacia do interesse público, a que se refere Gilmar Ferreira Mendes em diversos escritos, impede que o poder concedente concorde com qualquer solução que prejudique essa prestação, por mínimo que seja o prejuízo, o que não ocorre na relação de consumo, em que os interesses envolvidos são privados.

Disso tudo se conclui que a defesa do usuário de serviço público não é atribuição dos órgãos de defesa do consumidor, e sim da respectiva agência reguladora, cujo desafio é organizar-se adequadamente para isso. Como a lei prevista no artigo 27 da Emenda Constitucional nº 19 não foi aprovada pelo Congresso Nacional, o usuário de serviço público recorrem as ouvidorias dessas agências, onde os litígios são transformados em processos de mediação que obedecem às técnicas e aos procedimentos característicos da resolução de disputa, começando pelo completo esclarecimento da questão, passando pelas tentativas de conciliação entre as partes, pelo estabelecimento de um ambiente adequado à negociação e chegando, por fim, na hipótese de ainda persistir o conflito, à realização da mediação. Claramente, não se aplica a Lei 8.078/90 (código defesa consumidor) ao usuário de serviço público, e sim à relação de consumo, conceitualmente diversa daquela. É essencial, porém, que exista um Código de Defesa do Usuário de Serviço Público, que sirva de base jurídica para essa atuação.

Expostas essas noções, penso que fica clara a distinção entre relação de consumo e a de serviço público. O fornecedor e a concessionária tem obrigações perante o consumidor e o usuário, respectivamente. O descumprimento dessas obrigações acarreta sua responsabilidade. Mas no caso da concessionária o ordenamento jurídico atribuí essa responsabilidade também ao Poder Público (concedente), o que não ocorre quando o fornecedor não cumpre suas obrigações.

(*) FRANCISVAL MENDES é diretor-regulador ouvidor da Agência de Regulação de Serviços Públicos de Mato Grosso (Ager-MT), advogado e mestre em Direito Regulatório pela Universidade Ibirapuera de São Paulo-SP. 


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