Recentemente, foi possível visualizar em diversos locais da capital outdoors demostrando o posicionamento político das organizações patronais (que representam os patrões, os donos) ao governo federal.
De igual modo, a entidade que representa o comércio lançou nota apoiando o governo estadual em relação à aprovação em primeira instância da reforma da previdência dos servidores públicos estaduais. Tal reforma, antes mesmo de ser concluída, trouxe aos aposentados e pensionistas, em especial, uma perda considerável da sua renda.
Em qualquer momento de nossas vidas, ter o salário ou a renda da família diminuída é difícil. Esta situação é ainda mais agravante se ocorrer na velhice, em que os gastos são maiores e dificilmente o idoso ou idosa conseguirão ter uma outra fonte de renda.
Mas, até aí, tudo bem. Ou não?
A questão que me vêm à cabeça é saber quem compra no comércio, em especial, no comércio local?
Lembrando que os dados utilizados nessa análise são de órgãos oficiais produzidos por entes públicos, patronais e do terceiro setor.
Vamos partir primeiramente do primordial: para comprar, é preciso ter renda, ter salário. No Brasil, a renda domiciliar per capita média*, em 2019, foi de R$ 1.439,00. O estado de Mato Grosso está abaixo desse valor, alcançando apenas R$ 1.402,80.
Portanto, estamos falando de quantia inferior a dois salários mínimos.
Entretanto, não são todos que recebem esse valor. Em países como o Brasil, extremamente desigual, ganhar R$ 1.402,80 é privilégio. Em 2018, quase 54 milhões de trabalhadores e informais (sem carteira assinada) receberam menos de um salário mínimo.
Se para grande parte dos trabalhadores a renda é bem baixa, para os ricos e para as grandes fortunas, esse não é o cenário, inclusive, em tempos de pandemia. Segundo a Ong Oxfam, os bilionários brasileiros tiveram um aumento em suas fortunas em torno de R$ 34 bilhões nesses meses de pandemia. A mesma situação ocorreu com os bilionários de outros países.
Nesse ponto, começamos a responder à pergunta inicial: quem compra no comércio local? Acredito que não são os detentores das grandes fortunas.
Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, de um salário de até R$ 1.908, em média, uma família mensalmente destina aproximadamente 92,5% ao consumo, enquanto uma família que recebe acima de R$ 23.850 consome somente 65,9, ou seja, 26,6% menos.
Entendo o posicionamento das entidades patronais ao deixar claro sua posição política e ideológica para a sociedade cuiabana e mato-grossense. Porém, se grande parte do que se é consumido vêm da renda dos trabalhadores e dos informais, é preciso também apoiar políticas públicas que garantam renda a estes trabalhadores.
Por exemplo, o governo federal está articulando a reforma tributária, por que não traçar uma luta para diminuir os impostos sobre o consumo, pela atualização da tabela do imposto de renda, maior taxação da propriedade e renda, das grandes fortunas, que são tão privilegiadas há tanto tempo?
E, ao tributar menos o consumo, o trabalhador terá mais renda disponível para comprar mais no comércio, fazendo a roda da economia girar, gerando mais lucro, renda e emprego.
Outro posicionamento também interessante seria acompanhar as políticas federais e estaduais de incentivo às micro e pequenas empresas. De acordo com o SEBRAE, elas são responsáveis por 52% dos empregos com carteira assinada, e o comércio é a principal atividade destas empresas.
Assim, as políticas públicas não só financiariam o agronegócio, as grandes corporações e o sistema financeiro, mas também quem realmente emprega, gera renda e promove a economia local.
Portanto, independentemente do governo, do partido, da ideologia, é preciso garantir aos cidadãos e cidadãs condições de vida, porque a economia só se move pelas mãos dos trabalhadores, pelos empresários e por um Estado para todos.
Lucineia Soares – Analista econômica e social – Economista
Mestra em Política Social e Doutora em Sociologia.
*Esse valor é a soma de tudo que a família recebe, dividido pelo números de pessoas na casa. Entram nesta conta os aposentados e pensionistas