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Carreira Única no Sistema Único de Saúde


07-12-2012 16:52 - Blog Saúde Brasil

Contextualização do tema

A Gestão do Trabalho tem sido duramente atingida durante todos esses anos de implantação do SUS, em função dos mais variados fatores. Dentre as questões que têm comprometido drasticamente esse fundamental eixo estruturante do Sistema, podemos elencar:

1. Significativa desresponsabilização dos entes federal e estaduais, através da não realização de concursos públicos, bem como da adoção por todos, de políticas precarizantes do trabalho.

2. Reduzida capacidade de investimento da imensa maioria dos municípios caracterizada por um perfil crítico de baixíssima autonomia financeira e consequente absoluta dependência dos repasses estaduais e federais.

3. O advento da Reforma do Estado, os limites legais impostos pela lei de responsabilidade fiscal e outros dispositivos, com o estabelecimento da regra da precarização na forma de contratação bem como da remuneração.

4. O financiamento voltado para o pagamento de procedimentos realizados, fortalecendo a cultura da atenção especializada bem como o caminho mais fácil da substituição dos serviços públicos pelos privados contratados e conveniados. Com isso, consolidou-se um processo de desvalorização do trabalho multiprofissional em saúde bem como da atenção básica e da consequente supervalorização do profissional médico, particularmente dos especialistas.

5. A substituição do público pelo privado contratado/conveniado forçou o deslocamento dos profissionais médicos para aquele setor, consolidando a lógica do trabalho remunerado por procedimento realizado e não mais pela jornada a ser desenvolvida num serviço de saúde.

6. Diante do quadro colocado, os municípios que tinham condições para tal, bem como alguns estados, passaram a instituir Planos de Cargos e Salários locais, das formas mais díspares possíveis, cada um de acordo com a sua realidade e condições objetivas. Estabeleceu-se a disputa fraticida por alguns profissionais pelo país.

7. Fortalecidos e valorizados pelo aprofundamento da cultura especializada e médico centrada, e de uma conjuntura favorável no que diz respeito a lei da oferta e da procura, os profissionais médicos deflagram em todo o país movimentos não só pelo tratamento diferenciado nos Planos de Cargos instituídos, mas da criação de cooperativas e radicalizam na defesa de carreira apenas para aquela categoria e piso salarial nacional independente das demais categorias profissionais.

Podemos afirmar que o quadro de dificuldades enfrentadas por gestores para a contratação particularmente de médicos se deve não somente a má distribuição desse profissional pelo país, mas também ao modelo de atenção assistencialista, a ausência da equipe multiprofissional na rede que poderia em muito diminuir a dependência daquele profissional, ao crescimento exponencial da saúde privada contratada pelo SUS e da saúde suplementar, bem como da formação insuficiente para dar conta da demanda de um mercado hipertrofiado.

Como consequência, temos hoje uma realidade caracterizada por um quadro inadministrável em situações normais, com enormes dificuldades de disponibilidade de profissionais especialistas em todas as regiões do país inclusive nos grandes centros urbanos, processo que avança agora para profissionais generalistas e que necessita de ações em várias frentes de curto, médio e longo prazos, na perspectiva de paulatinamente transformar o quadro.

Dessa forma, é fundamental o entendimento de que a Carreira do SUS é um poderoso instrumento que poderá estabelecer um marco inicial nessa transformação, mas necessitará de outras medidas concomitantes como o Serviço Civil, residências multiprofissionais, estruturação e fortalecimento da rede pública, priorização da rede básica, etc.

É um contrassenso e portanto um desserviço ao SUS, a política recentemente adotada pelo Ministério da Saúde de “premiar” financeiramente entes federados que instituam Planos de Carreiras locais. Isso só tem ampliado as diferenças, as desigualdades, as distorções, e deixado cada vez mais longe a possibilidade de se construir regras nacionais que apontem exatamente no sentido oposto, de eliminar a fragmentação.

Os desafios são, portanto, superar os limites políticos, geográficos, administrativos e financeiros dos municípios, as questões colocadas pela lógica instituída de e pelo mercado e a cultura uni profissional em saúde fortemente enraizada na população e no Sistema como um todo.

Princípios básicos da Carreira do SUS

Estamos compreendendo a proposta da carreira do SUS como instrumento prioritariamente político, que busque através de uma pactuação entre os entes federados estabelecer regras nacionais a serem cumpridas por todos, com o objetivo de, por um lado, por um freio no canibalismo que hoje caracteriza as relações de trabalho no SUS nos estados e municípios. De outro, buscamos regras claras que motivem, valorizem e estimulem trabalhadores a aderirem ao Sistema da forma mais abrangente possível.

As bases para essas regras são exatamente as Diretrizes Nacionais para a carreira no SUS, aprovadas no Conselho Nacional de Saúde e pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite.

1. Municípios, estados e governo federal devem apresentar o levantamento do que entende como sendo a demanda da equipe multiprofissional em saúde, necessária para atender as reais necessidades dos municípios, tendo como parâmetros fundamentais a estruturação da atenção básica bem como as regras concernentes a hierarquização da rede e regionalização dos serviços. Não pode haver sob qualquer hipótese, sobreposição de serviços públicos num mesmo espaço geográfico delimitado.

2. Definição da carga horária dos profissionais e de pisos salariais nacionais por nível de escolaridade.

3. Acréscimos na remuneração definitivos e incorporados ao piso salarial de acordo com:

- Carga horária cumprida na formação intelectual

- Aprimoramento e aperfeiçoamento profissional em cursos de residência, pós graduação e qualificação.

- Definição de percentuais a serem instituídos como estímulo a dedicação exclusiva bem como à interiorização, para isso levando-se em consideração não só as diversas macro regiões do país, mas também as particularidades existentes nos grandes centros urbanos.

4. Garantia da autonomia e da responsabilização dos entes federados na realização dos concursos públicos para os serviços de cada alçada de governo, bem como da contratação dos profissionais que lhes são inerentes. Municípios, estados e governo federal, contratam os profissionais que são necessários para os diversos serviços que estão sob a responsabilidade de cada um.

5. Tendo como parâmetros as disponibilidades financeiras de cada ente federado, estabelecer de forma pactuada aquilo que em cada município do país será o componente do financiamento de cada ente, da correspondente força de trabalho no plano local.

6. Instituição e pactuação de regras que apontem para a efetiva profissionalização da gestão até o cargo de diretor conforme estabelecido pela Constituição Federal, enquanto ferramenta estruturante e valorizadora da Carreira.

7. É fundamental um amplo movimento político pela supressão do limite imposto pela Lei de responsabilidade fiscal a contratação de trabalhadores com a finalidade de viabilizar o SUS nos três planos de governo.

8. É importante que paralelamente se promova a partir da proposta de contratualização entre os entes federados que está em curso, a alteração da lógica de financiamento, substituindo-se paulatinamente os pagamentos por procedimentos pelo financiamento de metas a serem estabelecidas e cumpridas de acordo com as necessidades de cada local.

Por fim, um levantamento das possíveis adequações jurídicas que por ventura sejam necessárias para institucionalizar a Carreira com o envolvimento e plena responsabilização de todos os entes federados.

Por Francisco Júnior, farmacêutico hospitalar concursado da Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Norte. Foi presidente do Conselho Nacional de Saúde entre novembro de 2006 e fevereiro de 2011. 


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