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Planejar simplificado, ascendente e participativo


03-12-2012 14:56 - Blog Saúde Brasil

INTRODUÇÃO


Vou tratar aqui do que denomino Planejamento Operacional e que, durante décadas, uso na área de saúde. Tenho certeza de que minha maneira de ver o planejamento terá a crítica dos doutos planejadores que bem entendem da matéria. Planejam com maestria acadêmica e com propriedade prática do sempre fazê-lo e ministrar cursos. Estes oscilam em suas crençasentre o Planejamento Estratégico Situacional – PES do Carlos Matus/Mário Testa ou o tradicional normativo, cujo melhor exemplo é a técnica CENDES-OPS com suas variações explícitas ou implícitas.

Com todo respeito aos conhecimentos e convicções dos mestres em planejamento faço uma mistura “caipira” dos dois extremos, tendendo mais a fazer um PES descomplicado. PES sem ritualística exagerada. Nunca tive chance de ver aplicada a técnica e mantida funcionando na prática do dia a dia. Menos ainda a aplicação prática de forma concomitante em todos os setores e áreas de uma Secretaria Municipal de Saúde.

Durante muitos anos tenho discutido com o pessoal que trabalha como liderança e chefia na saúde, uma metodologia singela, simplificada e da mais fácil compreensão. Minhas observações são dicas que não têm a pretensão de se considerar um método operacional de planejamento. Outra observação foi que este jeito de planejar já pode ter sido exposto e registrado por terceiros. Este texto deve ser a somatória destes autores e não meu, pois acabei lendo muito e mais: sou dotado de orelha grande… atenta. Vivo aprendendo dos outros e depois nem sei de que fonte bebi, mas, tenho certeza que bebi o conhecimento e não inventei a bebida.

O que importa é que sou contra a idéia de planejadores que planejam para os outros. Sou a favor de que todos planejem com a ajuda de alguém que dê apoio ao processo. Só admito planejador numa secretaria de saúde como aquele que orienta e faz funcionar o processo participativo, ascendente, e mesmo assim não deve ser desvinculado do apoio necessário à qualificação do cuidado. Dá o tom, apoia e faz a parte burocrática a partir da idéia e contribuição do coletivo, em qualquer dos lugares que ocupem.

Defendi assim que todos planejem sua área o que não impede que analisem a realidade de outros setores. Que façam suas propostas como recebam propostas dos outros.

Este método não é teórico pois já o usei em algumas secretarias em oportunidadesoutras. Apliquei eu mesmo como Secretário Municipal de Saúde de São José dosCampos com grande vantagem. Vamos detalhá-lo mais à frente.

As linhas mestras estão dadas e devem servir para adequar o caminho à realidade local. Por exemplo, vou trabalhar em várias frentes como a identificação daabordagem às doenças e agravos à saúde.

O caminho deve ser adequado sempre ao tempo e lugar. A finalidade de um bom planejamento é identificar o que deve ser feito para que as pessoas não fiquem doentes, não tenham acidentes e não morram cedo.

Como deve ser feito este planejamento? Ele deve ser feito por todas as representações dentro da área de saúde. O governo com toda sua hierarquia. Os profissionais de saúde. Os prestadores de serviços de saúde. Os representantes dos cidadãos usuários. Estas quatro representações da sociedade são membrosnatos do Conselho de Saúde que deve existir em cada esfera de governo. Os Conselhos de Saúde ajudam a definir o plano de saúde e o aprovam. Depois fazem o controle nos aspectos econômicos e financeiros.

Divido este texto em três partes: PLANEJAMENTO SIMPLIFICADO E OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS; PLANEJAMENTO ASCENDENTE E PARTICIPATIVO; CONCLUSÕES.

PLANEJAMENTO SIMPLIFICADO E OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS

O conceito rotineiro de planejamento é daquela operação que fazemos antes de agir. Antes de fazer alguma coisa. Neste conceito dividimos a operacionalização de nossa ação que pode até ser concomitante: planejar o que será feito; depois executar e só depois avaliar.

Falo em concomitância pois o planejar é permanente nos reajustes necessários diante de situações e fatos novos deparados na execução e diante de dados da avaliação permanente. Planejar se confunde e se mistura com o executar e o avaliar.

Falamos em planejamento como uma operação formal. Mas existe o planejamento informal, permanente, por vezes nem mesmo identificável, mas que orienta todas nossasações. Estamos sempre e permanentemente planejando. Planejamento a longo, médio e curto prazo. O planejamento informal acompanha nossas vidas e nossas ações. Chego a classificar como o maior planejador do Brasil o indivíduo que sobrevive com a família com até um salário mínimo. Segundo dados do IPEA existem 16 milhões de famílias nesta situação.

Como a gente planeja alguma coisa?

O planejamento tem três fases. A definição do objetivo , a definição da situação em que estamos em relação ao objetivo e finalmente a definição de como chegamos de um ponto ao outro. Ponto “A” (objetivo); ponto “B”(situação) e a dinâmica de definir como vamos de um ponto a outros.

DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS

Na primeira fase delas tenta-se definir exatamente o que queremos. Os objetivos podem ser os mais diversos, mas sempre existem. Podem ser amplos e mais limitados, pontuais. Vão desde o planejamento de nossa sobrevivência até o planejamento das ações mais sofisticadas como as humanas, individuais ou empresariais. Mais uma vez lembro que nem sempre são formais, registradosmecanicamente, mas precisam estar sob a nossa visão, para que não nos distenciemos delas. Muitos nos perdemos neste caminhar, principalmente nas ações que são coletivas e principalmente públicas.

DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÃO

A segunda operação é a análise de situação. A percepção e análise de onde estamos. Sempre esta avaliação de situação deve ser feita em relação ao objetivo que se pretende atingir. Cada vez que analisamos nossa posição sem levar em consideração nosso objetivo atendência é fazer uma análise conjuntural imperfeita e incompleta. Alguns planejadores querem começar pela análise de situação e só depois fazer a definição dos objetivos. Tenho convicção que primeiro deva ser sempre a definição de objetivos, de onde se quer chegar, para depois avaliarmos ondeestamos, se mais perto ou longe de nossos objetivos. Para isso, a definição de objetivos deve ser compartilhada com comunidade ou corremos o risco de propor objetivos pessoais e não coletivos em relação à população com que se trabalha.

COMO IR DE ONDE ESTAMOS PARA ONDE QUEREMOS IR

Sabendo onde queremos chegar e onde estamos, nossa terceira tarefa é definir que caminho será trilhado para se conseguir chegar, atingir os objetivos. Este caminho é de construção bem complexa. Tem-se que saber o melhor caminho e os caminhos alternativos, diante de situações que mudam. Os caminhos dependem dos recursos materiais, financeiros e humanos de que se dispõe. Das armadilhas interpostas e dos apadrinhamentos facilitadores.

Em resumo podemos definir este planejamento operacional como resposta a três perguntas e sempre nesta ordem:

1) ONDE QUEREMOS IR?

2) ONDE ESTAMOS EM RELAÇÃO A ESTE OBJETIVO?

3) COMO VAMOS DE ONDE ESTAMOS, PARA ONDE QUEREMOS IR?

Brincamos que estas três perguntas são conhecidas pelo nosso homem simples de interior, morador da roça e denominado de caipira na lingua tupi. O linguajar é bem típico de interior.As perguntas são expressas pelos termos: ONCOVÔ? ONCOTÔ?CONCOVÔ? Que traduzindo sem comer síladas seriam estas três palavras: onde que eu vou (ONCOVÔ); onde eu estou (ONCOTÔ) e como que eu vou (CONCOVÔ).

Quando estamos planejando com o pessoal técnico e não com a comunidade em geral, podemos acrescentar uma quarta questão que é COMO AVALIAR NOSSO DESEMPENHO ( NO CAIPIRAL: CUMÉQUITÁINU?)

Vamos fazer este planejamento simplificado para nossas secretarias municipais de saúde. “Planejamento Estratégico Caipiral”.

PARA ONDE EU QUERO IR E LEVAR AS PESSOAS EM RELAÇÃO À SAÚDE?

Emúltima análise o que queremos para nós e para todas as pessoas é que tenhamos maior bem-estar. Sejamos o mais felizes possível. Na área de saúde podemos detalhar este objetivo a ser atingido como “ajudar as pessoas a só morrerem bem velhinhas, sem nunca terem ficado doentes (quase impossível) e se ficarem doentes que sarem logo e de preferência semsequelas.” (O POVO DOS PLANEJADORES CHAMA ISTO DE MISSÃO)

Esperamos que esta situação possa significar maior bem estar e felicidade para as pessoas. Sabemos que este objetivo é próprio da saúde, mas, não depende só dela e por vezes nem principalmente dela. Saúde ocorre na dependência dos condicionantes e determinantes que são os mais variados incluindo questões do âmbito econômico e social.

Aqui, nós da saúde temos um grande viés. Colocamos nosso objetivo como as questões do processo. Este planejamento equivocado leva a ações erradas. Não podemos colocar nosso objetivo final, como sendo os objetivos parciais, transitórios. Por exemplo. Ficamos perdidos para conseguir maior número de consultas, mas nem sempre fazer maior número de consultas significa ter mais saúde. Podemos citar inúmeros exemplos desta distorção.

ONDE ESTOU EM RELAÇÃO A ONDE QUERO CHEGAR?

Esta operação corresponde ao conhecido diagnóstico de situação. Muitas vezes se quer planejar a partir do diagnóstico de situação. Esta posição é formalmente equivocada. Formalmente por que? Sempre, informalmente, usamos o paradigma de onde queremos chegar para definir onde estamos. Na saúde o diagnóstico de onde estamos deve ser feito a partir da análise de que morrem e adoecem as pessoas naquele território. Os detalhes destas mortes e doenças, em que idade, com que gênero, em que situação sócio econômica. Hoje temos um nome oficial para isto (Dec.7508) que é o mapa da saúde que pode ser comparado com a antiga carta sanitária.

COMO DEVO CAMINHAR DE UMA POSIÇÃO A OUTRA?

Esta fase deve significar o caminho, a trajetória, o ferramental para nos deslocarmos de uma posição a outra.

Para este caminho já existe um balizamente dado pela CF e pelas Leis de Saúde federais, estaduais e municipais. A questão saúde não é nova no cenário brasileiro. Para enfrentá-la e garantí-la para todos houve uma luta de décadas no pré-constitucional que continua décadas depois da vigência da CF. Como caminho para se conseguir a saúde para todos, foram criados objetivos, princípios, diretrizes, funções etc. A ação de saúde deve ter sempre três vertentes: promoção (mexer com as causas agindo principalmente através de 3caminhos: alimentação saudável, cuidados de higiene e proteção ao corpo e exercícios físicos; provocar as outras áreas responsáveis pelos condicionantes e determinantes da saúde); proteção (mexer com os riscos específicos de adoecer, fazendo vacinas, exames preventivos etc) ; recuperação (tratar de quem já está doente).

Trabalhar com integralidade das ações de saúde desde as mais simples às mais complexas. Trabalhar com todos os cidadãos sem fazer discriminação nem de ricos, nem de pobres. Tratar a todos igualmente dando mais para aqueles que têm mais necessidades de saúde. A especificação das competências de cada esfera de governo, o financiamento trilateral, a participação da comunidade no planejamento e controle. Existem vários outros princípios e diretrizes tecno-assistenciais e tecno-gerenciais.

Esta aí, em suma, aquilo que deve ser feito em termos de planejamento operacional, simplificado. Os novos governos municipais da saúde que já devem, em época de campanha, ter traçado as principais diretrizes do planejamento agora é o momento de entrar no planejamento mais detalhado de algumas questões.

TÉCNICA DE PLANEJAMENTO ASCENDENTE E PARTICIPATIVO

A idéia de planejamento participativo parece ser recente e levada a cabo por partidos de esquerda. Não é bem assim. Em 1979 participei como Diretor do Departamento Médico Odontológico no governo municipal de São José dos Campos, sendo prefeito Joaquim Bevilacqua. Naquele retorno à democracia em São José dos Campos . Joaquim foi o primeiro prefeito eleito, depois de vários anos da ditadura com prefeito nomeado. Com ele aprendi a trabalhar com orçamento participativo. Joaquim, o prefeito, idealizou uma participação da populaçãoatravés dos escolares e seus familiares para definir problemas da cidade e sugerir soluções. Foi muito rico o processo e os resultados.

Depois disto acabei simplificando a metodologia e adaptando-a a situações pontuais e a segmentos da população. Este planejamento ascendente e participativo em resumo trabalha com três questões que são as abaixo.

QUAIS OS PROBLEMAS MAIS IMPORTANTES QUE VOCÊ IDENTIFICA NO SETOR SAÚDE?
A QUE CAUSAS – CONDICIONANTES e/ ou DETERMINANTES VOCÊ ATRIBUI ESTES PROBLEMAS?
QUAIS AS SOLUÇÕES QUE VOCÊ PROPÕE PARA ATINGIR ESTAS CAUSAS E ESTES PROBLEMAS?

Aqui temos uma proposta-chave: identificar problemas, causas e soluções. Rapidamente aprendi ser essencial ouvir as pessoas, fazer escuta, dar chance de que falem. Todas as pessoas podem ter contribuições tanto na identificaçao dos problemas, como no apontar possíveis soluções. Na tabulaçao de dados, apuração das respostas, não utilizar apenas seu pessoal técnico, mas pedir a contribuição de conselheiros com destaque para os representates dos usuários.

Depois, o principal, usar na prática tanto os bons diagnósticos, como as boas soluções. Usar e saber atribuir a autoria. Dar os créditos. Esta pesquisa ascendente e participativa pode ser feita de forma geral ou por segmentos. Pode ser genérica ou pode ser para problemas pontuais. Por exemplo. O problema: falta de médicos nos serviços públicos de saúde. Como pode ser esmiuçado este problema e discutidas as soluções? Por que não fazer esta pesquisa com os médicos da rede: problemas, causas, soluções? Com outros profissionais em especial. Podem haver soluções nem pensadas pelos gestores, mas que podem ser essenciais.

Um complemento desta idéia é, diante de problemas específicos, com participação de grupos restritos fazer um tipo de premiação para idéias consideradas vitoriosas. Pode ser financeira, pode ser de folgas, de prêmios etc. O importante é ouvir, auscutar a comunidade por inteiro ou por segmento para “sugar dela” sugestões para melhorar a saúde e busca de soluções para os problemas.

O plano de saúde não pode ser uma soma do planejado por áreas. Todas as áreas devem se comprometer em participar desde o início, na ausculta coletiva da comunidade, e construir um plano comum. A escuta deve estar ligada à capacidade e compromisso de informar a comunidade da responsabilidade de todos pela saúde. Como exemplo: os dados epidemiológicos, ambientais, sociais, sanitários devem ser sistematizados para que a população da comunidade consultada se aproprie deles para apontar aquilo que deva ser feito. Nos municípios pequenos e médios, em geral é necessárioapenas uma abordagem com dados. Nos municípios maiores estes dados devem serdesmembrados por região ou por tema.

CONCLUSÕES

Planejar não é um bicho de sete cabeças para ser apenas entendido e enfrentado pelos iniciados planejadores. Muito menos por entendidos de fora. É essencial que seja feito ligado à gestão e seu pessoal, ainda que se possa ter a ajuda, o apoio de externos.

Todos precisamos usar da metodologia do planejamento para melhorar a eficiência das ações e serviços de saúde. Não nos esquecermos que o que vai no plano só setorna viável no momento em que for colocado nas leis orçamentárias que serãoaprovadas pelo legislativo. Só lá o plano é vivificado. Mais: o plano tem que ser aprovado no Conselho de Saúde. A sequência lógica: nada pode ser feito que não estiver previsto no orçamento; nada pode ir ao orçamento que não esteja no plano de saúde; nada pode ir ao lano de saúde que não tenha sido aprovado pelo Conselho de Saúde.

Vale lembrar que a Lei 8080 coloca com clareza meridiana que deve ser usada a epidemiologia para se fazer planejamento e alocação de recursos. Lei 8080, Art.7 VII – utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática.

As atitudes em relação a isto são: identificar e valorizar o correto; identificar e corrigir o errado; estar alerta para identificar o novo que pode significar novos desafios e atitudes.

Por Gilson Carvalho, médico pediatra e de saúde pública. 


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