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Mensagem - Dezoito de Maio, persistência na luta


19-05-2015 16:48 - Prof. Dr. Pedro Gabriel Godinho Delgado/ Instituto de Psiquiatria Universidade Federal do Rio de Janeiro

Caros companheiros e companheiras,

O Dezoito de Maio está fazendo 27 anos. As conquistas da luta antimanicomial são muito expressivas, e devem deixar orgulhosos todos os brasileiros, sejam eles trabalhadores da saúde mental, usuários, familiares, professores e pesquisadores, ou sejam cidadãos e cidadãs do nosso país de todos os campos de atividade.

A aprovação da lei, em 2001, é um marco importante, e todos os avanços na implantação de serviços e redução de leitos que vieram depois da lei são conquistas asseguradas.
Mas temos muitos desafios a resolver, especialmente, a meu ver, de dois tipos.

O primeiro: uma difusa fragilização do SUS, por conta de financiamento insuficiente; privatizações que fragmentam o processo de trabalho; um avanço colossal do componente financeiro da mercadorização da saúde (através do crescimento e da precária e ineficaz regulamentação estatal dos planos de saúde, em geral ligados ao capital financeiro), e a baixa densidade dos processos de avaliação dos serviços, com nenhuma participação dos usuários e familiares no esforço avaliativo. Podemos (e devemos) seguir enumerando estes problemas, adotando o norte do acesso com equidade (quantas pessoas que necessitam de atendimento têm sido efetivamente atendidas ? e este atendimento tem considerado as particularidades culturais, de gênero, idade, vulnerabilidades?). Este é o desafio do Dezoito de Maio: acesso com equidade; ampliar os serviços; mapear vigorosamente as lacunas assistenciais; contratar por concurso público; assegurar garantias no trabalho; incluir os usuários e familiares na gestão; adotar e difundir os princípios do "recovery"; enfrentar a brutal lacuna da produção de conhecimento sustentada pelo modelo de gestão da academia e da pesquisa que é hegemônico (e intocável !) no Brasil. E por aí afora.

O segundo desafio é mais espinhoso, e difícil e até arriscado de expressar. Penso que o Brasil vive uma profunda crise cultural, que está se expressando através da crise política, e de uma incipiente crise econômica, amplificada pela indústria do pânico social instalada na grande imprensa.

A narrativa da grande imprensa (me refiro, é claro, às quatro famílias bilionárias que concentram o capital simbólico do que se chama com empáfia de "opinião pública") é de que todo o avanço social dos últimos 12 anos (que os indicadores conhecidos de todos demonstram) foi todo ele um embuste, uma perversidade planejada para servir à corrupção e a um partido político. O que importa é o efeito alcançado. Uma desagregação da cena política, a assunção de uma gestão negocial da atividade pública, o retorno, agora fortíssimo, de pedaços de uma ideologia ultra-conservadora, com suas grandes metas: redução da maioridade penal, desregulamentação e ataque aos direitos trabalhistas, privatização das políticas públicas, criminalização da própria política. A meu ver, não é só a esquerda, e os partidos de esquerda, que estão acuados. Penso que a crise é mais que política, é cultural, do projeto de sociedade que queremos, da coisificação e mercadorização de tudo. E também uma cultura do ódio e intolerância.

Espero que seja apenas um pessimismo transitório, e que as coisas de fato não estejam tão ruins.

A luta pela sociedade sem manicômios tem, a meu ver, de recuperar as utopias da sociedade igualitária, justa e fraterna.

Acabei mandando uma mensagem longa demais. Senti esta necessidade de dizer como considero importante a experiência brasileira de reforma psiquiátrica. Esta é apenas uma saudação comemorativa dos grandes avanços da luta antimanicomial. Avanços que sempre ampliam os novos caminhos a serem trilhados, ásperos mas luminosos.

Um grande abraço, um glorioso Dezoito de Maio para todos.

Pedro Gabriel

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Prof. Dr. Pedro Gabriel Godinho Delgado
Instituto de Psiquiatria Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 


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