Foi aprovado em sessão longa e tensa do Congresso Nacional, o PLN 36/2014 que alterou a Lei nº 12.919/2013 (LDO 2014) eliminando a meta numérica do superávit primário. O projeto permite ao Executivo descontar da meta, uma poupança para pagar juros da dívida, todo o valor gasto anual com obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e com desonerações tributárias. Com isso, a meta fiscal, que era de ao menos R$ 81 bilhões, deixou de existir na prática, e o governo fica autorizado até mesmo a fechar o ano com as contas no vermelho. Devemos comemorar?
Evidente que não. Não existem motivos para isso. O que existe é preocupação com os rumos da economia brasileira, já que o quadro mostrado pelo Ministro Guido Mantega era outro. O PLN 36/2014 só foi enviado ao Congresso Nacional no último dia 10 de novembro, ou seja, 15 dias após o 2º turno das eleições presidenciais. Em outras palavras, as medidas associadas à Política Fiscal poderão gerar uma desconfiança da sociedade sobre a sua validade e o seu cumprimento. Isto porque, pode representar uma quebra de credibilidade. Pegou muita gente de surpresa!
Uma das consequências nefastas desse "afrouxamento" ou "flexibilização" será o aumento da taxa de juros. Impactará os juros e encargos que pagamos pela nossa dívida pública, hoje, cerca de R$ 3,2 trilhões. Em doze meses, os juros nominais da dívida pública totalizaram R$ 280,8 bilhões (5,53% do PIB). Somente Grécia e Líbano gastaram mais do que o Brasil, em 2014, com juros da dívida (em termos de % do PIB, em um levantamento feito para 70 países, segundo dados do FMI).
Outra preocupação, é que a aprovação do PLN 36 pode abrir maus precedentes ou propostas ruins. Alguns governadores e prefeitos propor que suas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores aprovem mudanças em suas respectivas LDO's com o objetivo de liberá-los das obrigações fiscais. Outro exemplo maléfico, podem ser propostos projetos de lei que anistiem os usuários de cartão de crédito que ultrapassem (estourem) o crédito que lhes é concedido.
Um parlamentar afirmou da tribuna: "O Governo estourou o seu "cartão de crédito" de gastos, e agora quer que o Congresso o anistie". Com certeza, não é um bom exemplo sobre como os contratos econômicos devem ser geridos. Outra reflexão a ser feita, é que ao defender o afrouxamento de suas obrigações com base na defesa do nível de emprego, o governo usa argumento que também poderia ser usado, por exemplo, por empresas para justificar a suspensão do pagamento de suas dívidas com o sistema bancário.
De acordo com o Doutor em Economia (Michigan) e professor do Ibmec Waldery Rodrigues, "o governo exerce uma péssima liderança ao sinalizar que pode rever (na realidade, reverter) contratos". O professor questiona os benefícios do PLN 36 em relação ao aumento do investimento público: " a dívida será paga mais à frente com custo fiscal substancialmente maior, pois a rolagem da dívida se dará em condições menos vantajosas para o Brasil (em termos de encargos e maturidade)".
Na verdade, fiquei preocupado com o que presenciei na sessão do Congresso Nacional. Desde o comportamento oposto de governo e oposição. Assisti a Deputada Maria do Rosário (PT-RS) reclamar de manifestantes e Ronaldo Caiado (DEM-GO), da truculência da polícia. Realmente, são tempos muito estranhos. No mesmo dia da aprovação do PLN 36, outra surpresa: enquanto o futuro Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, quebra a cabeça em busca de um ajuste fiscal, o Ministro Mantega navega no sentido oposto. Haja vista a Medida Provisória publicada no Diário Oficial da União que capitaliza o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) com R$ 30 bilhões oriundos do Tesouro Nacional.
Por isso, antes de comemorar a aprovação do PLN 36, devemos refletir. Antes da euforia, fazer autocrítica. Chega de pacotes e remendos. O momento exige uma política econômica a longo prazo sólida e sustentável!
VICENTE VUOLO é economista e analista legislativo no Senado Federal.
vicente.vuolo10@gmail.com