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Desconto em folha do servidor pela Administração Pública quando esta erra no pagamento.


22-05-2012 09:59 - Ana Lúcia Ricarte

Administração Pública nega vigência ao princípio da Segurança Jurídica e boa fé quando efetiva desconto em folha de servidor público com intenção de restituição de subsídio já pago.
 
É possível que a Administração Pública, ao promover o controle de despesas de pessoal, constate que houve o pagamento de valores indevidos aos servidores por erro de fato ou erro de direito. Neste caso é possível que a Administração Pública cometa Erro de fato (error facti) e Erro de Direito (error iuris).
 
O erro de Fato é aquele que incide sobre circunstâncias de fato do ato. Pode ser a respeito das qualidades do objeto, da pessoa ou de qualquer outro elemento da relação jurídica, tal como quantidade, localização, idade, indicação do sexo, qualidade, cálculo de valores, etc.
 
O erro de direito (error iuris) se refere à ignorância ou falso conhecimento da norma jurídica ou de seu conteúdo que regula determinada relação jurídica.
 
Diz-se que há erro de direito quando a ignorância ou o falso conhecimento da norma jurídica disserem respeito a seu conteúdo, existência, interpretação ou aplicação ao caso concreto, sempre que o sujeito tenha decidido atuar como conseqüência daquela ignorância ou falso conhecimento.
Já a boa-fé, no seu aspecto subjetivo, ”denota o estado de consciência ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (...). Diz-se "subjetiva" justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito na relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem. ”1
Pois bem, segundo entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, não é cabível a pretensão de restituição por parte da Administração no sentido de reaver valores que pagou, por erro, ao servidor. Tal restituição só seria possível nos casos em que o servidor tenha recebido de má-fé. Esse é um exemplo de atos administrativos que, apesar de inválidos, produzem efeitos, em atenção ao princípio da proteção da confiança e Segurança Jurídica.
 
Da relação sui generis estabelecida entre a Administração e os servidores públicos advêm várias obrigações, tanto para o ente estatal como para quem está ao seu labor.
 
Dentre as várias obrigações da Administração estão os pagamentos de valores aos servidores públicos, seja a título de retribuição (remuneração, vencimento, provento, subsídio, etc.), seja a título de indenização (diárias, ajuda de custo, etc.).
 
O Poder Judiciário de Mato Grosso também já se manifestou em caso específico sobre esta matéria qual trazemos como exemplo, in verbis:
 
“QUARTA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO Nº 119694/2008 - CLASSE CNJ - 198 - COMARCA DE NOVA XAVANTINA
 
APELANTE: MARCOS PIZA PIMENTEL
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
LITISCONSORTE: ESTADO DE MATO GROSSO
Número do Protocolo: 119694/2008
Data de Julgamento: 10-8-2009
EMENTA
I) APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR SERVIDOR PÚBLICO – BOA-FÉ – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO.
 
Verificada a ilegalidade, deve a Administração Pública suspender o pagamento indevido, contudo, não há como cobrar do servidor aquilo que incorporou de boa-fé, mormente porque se trata de verba de caráter alimentar.
 
 
Portanto, somente poderá ser requerida pela Administração Pública a repetição do valor pago ao servidor erroneamente no caso de comprovada a má-fé do servidor.
Para corroborar a esta tese colacionamos decisão recente do Superior Tribunal de Justiça, que já pacificou o entendimento de que não pode a Administração Pública exigir a devolução de valores pagos erroneamente se o servidor recebeu de boa fé, senão vejamos:
 
RECURSO ESPECIAL
2010/0069335-5
RECURSO ESPECIAL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - RESSARCIMENTO POR DANOS CAUSADOS AO ERÁRIO DECORRENTES DE PAGAMENTO DE VANTAGEM PECUNIÁRIA INDEVIDA À SERVIDORAS APOSENTADAS - INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA DA LEI - ILEGALIDADE RECONHECIDA JUDICIALMENTE - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DO AGENTE PÚBLICO NÃO CARACTERIZADA - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DOLO OU CULPA - DESCABIMENTO DA IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE RESSARCIR OS COFRES PÚBLICOS - IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO PELAS RÉS DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE - BOA-FÉ.
 
1. O tipo caracterizador do ato de improbidade descrito no art. 10 da Lei 8.429/92, exige, para sua configuração, além da prova da lesão ao erário, conduta dolosa ou culposa do agente.
2. Na espécie, com base nas circunstâncias descritas no acórdão recorrido, dando conta que os atos praticados foram ancorados em interpretação administrativa do departamento jurídico da autarquia e, especialmente, pelo fato de a norma que dava suporte ao ato impugnado na ação civil pública comportar interpretação em sentidos diversos, é de se concluir que a conduta do agente público, inobstante contrária à lei, não se deu por dolo ou culpa.
3. A jurisprudência desta Corte tem flexibilizado a obrigação de reposição aos cofres públicos do que foi pago de forma equivocada, por inadequada interpretação e aplicação da lei, nos casos em que reste evidenciada a boa-fé do servidor.
4. Recurso Especial não provido.”
 
Além disso, é comum a retenção ou desconto ordenado pelo Administrador Público ser procedido sem o devido processo legal, ferindo assim o direito constitucional ao contraditório e ampla defesa.
Portanto, em caso de desconto ou retenção feitas na folha de pagamento do servidor pela Administração Pública, e sendo esta retenção um Ato Administrativo com entendimento exclusivo da Administração Pública com relação ao erro ou equívoco no pagamento, deverá o servidor Impetrar Mandado de Segurança com pedido de liminar contra a autoridade coatora para que cesse a retenção.
 
Autora: Ana Lúcia Ricarte, Advogada e especialista em Direito Administrativo e Processo Administrativo pela Universidade Gama Filho. Site: www.analuciaricarte.adv.br


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